domingo, 27 de abril de 2008

Frei Betto critica a postura da mídia

Larissa Oliveira
Repórter de O Estado do Tapajós

São Leopoldo(RS) - Frei Betto participou, ao meio-dia, do Bate-papo Jornalístico, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, no Restaurante Capri, em São Leopoldo. Em meio aos participantes, falou por mais de uma hora sobre política nacional e latino-americana e seu envolvimento com a comunicação.
A agenda ficou apertada. Vindo direto do Aeroporto Saldado Filho, o encontro, que deveria começar ao meio-dia, ocorreu apenas às 12h40mim, por atraso na chegada do vôo. No local, cerca de 30 pessoas ligadas ao Sindicato e a veículos de comunicação da região metropolitana conversaram com o frei.
Marcado por sua história política - que se confunde em vários pontos com a história política do Brasil -, Frei Betto começou seu discurso com a afirmação de que "ser frade é uma condição de vida".
Dominicano, sua ligação com São Leopoldo é antiga. A experiência está relatada no livro Batismo de Sangue, com o qual conta o período em que viveu enquanto estudante seminarista com padres franciscanos na cidade, durante a ditadura militar. "Na verdade, eu estava contrabandeando gente, mandando perseguidos políticos para o Uruguai a pedido de Marighella", conta. Ele disse que sente pelos franciscanos acabarem tendo se complicado com o governo por sua causa, mas que não se arrepende do que fez.
Frei Betto sempre trabalhou com jornalismo. Estreou na extinta revista Realidade em 1967. Escreveu por 12 anos no Estadão. Atualmente, colabora em diversos veículos em todo o Brasil e na América Latina, entre eles, a revista Carta Capital e o jornal Correio Rio-Grandense, de Caxias do Sul. "Escrevo em média seis artigos por mês", conta.
Política
Frei Betto afirma que o governo Lula sustentou-se por muito tempo no Congresso e nos Movimentos Sociais. Contudo, desprezou o último, que foi quem o levou ao poder. "Hoje, ele se tornou refém do Congresso, onde o PT é periférico". O frei critica também a estratégia de governabilidade atual, que é a de "se manter no poder", como ele diz, ao invés de se construir um projeto histórico para o país. "O governo se preocupa apenas em manter as coisas como estão", defende.
Ex-assessor do primeiro mandato de Lula e um dos criadores do programa Fome-Zero, o Frei Betto diz que governo é diferente de poder, pois o poder transcende a mandatos. "A máquina do Estado brasileiro foi criada para servir à elite. A saída do Brasil passa por reformas fundamentais, como a política e a agrária. Senão, continuaremos como estamos hoje", afirma o homem que vê a solução no reforço dos movimentos sociais e na mudança das estruturas, que chama de "arcaicas do poder". E completa: "O PT e o governo Lula não são mais capazes de realizar isso".
"Entendi trabalhando no Planalto, por que as elites não fazem passeatas: elas têm a chave do poder"
Contudo, Frei Betto é contundente ao dizer que continua achando Lula o melhor para o Brasil e para a Antérica Latina hoje, como o único com viabilidade de mandato.
Para o Fome-Zero dar certo, o programa supunha uma reforma agrária, o que não aconteceu. Frei Betto diz ter saído do governo pelo o rumo que o programa tomou. "O que seria um programa emancipatório se transformou em compensatório por fins eleitorais". O livro Calendário do Poder fala justamente dessa experiência.
América Latina
Como não poderia deixar de ser, o tema América Latina foi recorrente durante o Bate-Papo. Sobre vitória do amigo Fernando Lugo para a presidência da Paraguai - Frei Betto esteve recentemente no país no anúncio da vitória - ele declara que não há como prever como será seu governo. "É muito cedo para saber, principalmente por não sabermos ainda qual será sua representabilidade no congresso, já que as eleições congressistas ainda não ocorreram".
"O Brasil criou uma tradição imperialista em relação à América Latina. Agora, os vizinhos estão cobrando"
Declarando que o Brasil sempre teve atitudes imperialistas diante de seus vizinhos latino-americanos, Frei Betto citou o caso do atrito entre Evo Morales e a Petrobrás, a única empresa compradora do gás boliviano a reclamar do aumento de preço. "Todos os outros países reconheceram que o preço anterior era explorador".
Ainda assim, Frei Betto se diz um apoiador da política externa do governo Lula, que julga inteligente por voltar a afirmar sua independência em frente aos blocos hegemônicos mundiais. Diz ser acertada a atitude de se aproximar de países da África, da China e de países árabes, enquanto os Estados Unidos se preocupavam com o conflito no Oriente Médio. "O Itamarati é uma escola exemplar de diplomacia. Com mecanismo como o Mercosul, o Brasil tem buscado uma reaproximação entre os países sul-americanos".
Imprensa
Frei Betto avalia que a imprensa brasileira passou por um processo de libertação, mas o jornalismo não. A explicação é que hoje repórteres se guiam pela linha editorial dos patrões e que há uma grande disparidade entre editores-chefe, editor, repórteres e estagiários, muitas vezes explorados.
Quando trabalhava na revista Realidade, diz que os jornalistas da época não se guiavam pela cabeça do patrão. "Havia grandes brigas nas redações para os repórteres fazerem o jornalismo que achavam correto, até que os anunciantes se juntaram para fazer com que a revista mudasse", lembra.
Sobre a diferença entre a imprensa latino-americana e a brasileira, ele diz não conhecer a primeira profundamente, mas tem a impressão de que a brasileira é mais democrática, apesar de estar organizada em algumas grandes empresas. "É mais organizada por se estruturar de forma capilar, talvez por ter mais meios ou mais tradição jornalística", comenta.
Quanto à editorialização dos veículos, defende que não se deve sacrificar informação por opinião, o que acontece freqüentemente. Frei Betto cita a revista Veja como exemplo deste processo. Por vezes, seus artigos foram publicados no Estadão com um editorial contra o que tinha escrito, mas ainda assim foi publicado.
Para ele, há uma dificuldade da imprensa brasileira em ser autocrítica e projeta: "Passarão o segundo semestre inteiro analisando como a mídia se comportou no caso Isabella, mas em quanto o caso está fresco é explorado ao máximo. Perdemos o senso da realidade pelo Ibope".
Frei Betto comenta que no dia seguinte ao assassinato da menina, a Polícia do Rio de Janeiro entrou em uma favela e matou nove jovens e nada foi noticiado. "Cadáver de classe média é mais importante do que um cadáver pobre. E esse ainda, mais grave, morto pelo braço do Estado".

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens a bela LARISSA OLIVEIRA pela reportagem, sucesso. MATIAS