quarta-feira, 21 de maio de 2008

Eterno mestre

Miguel Oliveira
Editor-chefe

Em pleno domingo de manhã quando eu assistia ao Globo Rural, no intervalo do programa uma mensagem do governo do estado chamava os alunos a retornarem às escolas já nesta segunda-feira. Subliminarmente o governo informava o fim da greve dos professores estaduais, o que, ao que eu soubesse, ainda não havia sido suspensa em Santarém.
Mas a rotina da domingueira foi quebrada por uma visita ilustre que eu e minha amada Rejane recebemos em nosso aconchegante lar. Meu irmão Cleiton e esposa Terezinha, de passagem por Santarém, foram nos dar a honra de almoçar conosco. Ao grupo se juntariam mais tarde os amigos Edibal(Pipa) e Lúcia Cabral.
E não é que o gostoso papo de almoço se resumiu à atividade docente? Um prato cheio - desculpem o trocadilho- para quem, como Cleiton, está há 45 anos em sala de aula, mesmo depois de ter se aposentado da Universidade Federal do Pará.
A diferença de idade entre mim e Cleiton é quase 20 anos. Por isso, a vida de professor secundarista dele e seu ingresso na carreira acadêmica, justamente por lapso de tempo, ainda me eram um pouco desconhecidos. Mas nesse almoço, regado a vinho do Porto e a licor de creme de cassis, pude conhecer um pouco mais da carreira de magistério de Cleiton Nogueira de Oliveira, o segundo filho de dona Sarita e seu Petronilio.
Ainda estudante universitário, Cleiton abraçou o magistério. Para sobreviver e se manter em Belém, longe de casa, era submetido a extenuante jornada de trabalho. A figura do professor 'the flash", aquele que atualmente corre de uma escola para outra para cumprir carga horária, ao que parece, já existia naquela época.
Inúmeros colégios particulares e incipientes cursinhos pré-vestibulares, na metade dos anos 60, testaram o talento, a competência e a didática do promissor professor Cleiton.
Mas seu envolvimento no movimento estudantil de contestação ao regime militar lhe causaria embaraços para se firmar como professor universitário, após início de jornada como professor substituto do Colégio Paes de Carvalho.
Contra Cleiton e a maioria dos acadêmicos daquela época na UFPA pesavam a grave acusação de ser 'comunista'.
Conta meu irmão que quem comandava a reitoria da UFPa era o professor José da Silveira Neto, a quem Cleiton pediu uma audiência para reclamar que, apesar de estar lecionando matemática há dois meses na instituição, ainda não havia sido chamado para assinar seu contrato de trabalho e por causa disso, não estava recebendo seu salário.
Mas antes de se aventurar à reitoria, Cleiton avisou aos alunos que aquele seria seu último dia de aula como professor auxiliar, para espanto da turma. E aventou a possibilidade de estar sendo perseguido por problemas políticos e que o atraso de seu salário seria, por assim dizer, uma retaliação política.
Mas no final da aula foi procurado por dois integrantes da turma que logo identificou como membros do serviço de informações do regime militar infiltrados na universidade.
- Professor, não há nada oficial que desabone sua conduta. Somos testemunhas que o senhor, mesmo quando provocado, não fala de política e trata, ao contrário de outros professores, de ministrar sua aula, apenas - relatou-lhe um dos arapongas.
Meio assustado, Cleiton topou prolongar a conversa que seria providencial, uma vez que seus dois alunos lhe orientaram a ingressar com um pedido de hábeas data na auditoria militar. De posse do documento que nada constava que desabonasse sua conduta pela ótica da doutrina da segurança nacional, encorajou-se a procurar o reitor e definir sua situação funcional.
De posse do hábeas data e vestindo um paletó emprestado de um amigo - com as mangas cobrindo-lhes as mãos - recordou -, Cleiton foi até a reitoria. Lá chegando foi logo avisado que a agenda do professor Silveira Neto estava lotada.
-Não tem problema. Eu espero, retrucou Cleiton ao chefe de gabinete.
Depois de uma chá de cadeira de mais de seis horas, meu irmão pode, enfim, ingressar no gabinete do reitor.
- O que lhe traz aqui, rapaz? Indagou Silveira Neto.
-Gostaria de saber porque meu salário não está sendo pago? - respondeu-lhe o professor.
- O quê! Um menino desses vem aqui e tem a petulância de me cobrar salário atrasado - enfureceu-se o reitor.
-Mas é o que está acontecendo comigo, professor, replicou Cleiton.
-Você sabe muito bem o motivo. Você é ‘comunista’ e há um veto a sua contratação - disparou Silveira Neto.
- E se eu lhe provar que não há veto algum dos militares a minha pessoa, o senhor me contrata? - arriscou meu irmão.
- Se você conseguir isso, que eu acho praticamente impossível, o emprego é seu, desconversou o reitor.
- Pois então me contrate, retrucou Celiton. Aqui está o meu hábeas data emitido pelo exército.
Atônito, Silveira Neto ainda teve tempo de confirmar a autenticidade do documento, mas Cleiton conta que o velho mestre teve uma atitude nobre.
- O contrato é seu, meu filho. Contra fatos não há argumentos - despediu-se Silveira Neto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Sr. Miguel,

gostaria de parabenizá-lo pela sua matéria, conheço o trabalho do Prof. cleyton e de sua dedicação e profissionalismo. O que mais me admira nele é a vontade de viver, de educar, de exercer o magistério. O que me supreende neste grande professor é que depois de 45 anos de magistério, ele ainda ministra aula como se estivesse no início de carreira. Como ele não fica cansado?

Parabéns por ser irmão do Prof. Cleyton, o mestre de todos os mestres. A família e os amigos devem sentir orgulho de fazer parte da vida dele.