quinta-feira, 19 de junho de 2008

O sonho

Bellini Tavares de Lima

Dia desses tive um sonho. Os sonhos são misteriosos. Alguns são claros e se consegue lembrar deles em todos os detalhes. Outros se perdem, ficam confusos. Alguns têm um enredo mito parecido com a realidade e outros são pura ficção ou nos colocam em situações muito embaraçosas. Quem já não sonhou que estava nu, no meio da multidão?
Sonhei que vivia num país onde se praticava o futebol. Sim, esse jogo em que onze sujeitos se defrontam com outros 11 sujeitos e tem como objetivo colocar a bola numa espécie de moldura revestida com uma rede na parte de trás. Todo mundo sabe.
Pois, no meu sonho, esse esporte era muito popular no meu país. As crianças começavam a jogar muito cedo. Havia grandes equipes, torneios emocionantes, regionais, estaduais, de diferentes categorias. Fazia gosto ver o entusiasmo, tanto dos jogadores quanto da imensa e apaixonada torcida. Os torneios arrastavam o público em número imenso para os estádios e as torcidas presenteavam a todos com grandes espetáculos quase coreográficos, cânticos para encorajar suas equipes de preferência. É claro que sempre havia um ou outro mais exaltado que arranjava uma confusão, mas, de modo geral, nem era preciso muito policiamento durante os jogos. E o povo também respeitava muito os policiais.
E havia os torneios internacionais. Podiam ser os torneios envolvendo equipes, as mesmas equipes que disputavam os certames internos. E podiam ser os torneios envolvendo as seleções de cada país. Ah, esses eram até difíceis de descrever. As nações se preparavam de maneira irrepreensível para esses torneios e as torcidas dos diferentes países se enchiam de um sentimento de orgulho nacionalista. Cantavam-se hinos e se acompanhava os jogos com um quase fervor. O meu país era o grande destaque em qualquer torneio internacional. A seleção do meu país era quase imbatível.
Os adversários tinham um respeito pela seleção do meu país que era de dar orgulho. Temor reverencial. Também, pudera, com tanto prestígio, conquistado ao longo de anos a fio de vitórias. E, talvez por conta disso, era muito bem cuidada. Os responsáveis por ela tinham sensibilidade, competência, seriedade. Afinal, sabiam que estavam lidando com algo que possuía um valor moral do mais alto quilate. A seleção só se apresentava muito bem preparada, jogadores escolhidos pela conjugação de dois critérios imprescindíveis: competência enquanto atleta e dignidade enquanto cidadão. Em se tratando de seleção, não se poderia correr risco um desempenho que pudesse arranhar nosso brilho conquistado a duras penas.
E os atletas? Ah, esses davam quase que literalmente o sangue e a vida para serem convocados para a seleção do meu país. Não poderia haver honra maior para um atleta que ser convocado para servir a seleção nacional. Não havia obstáculo que não pudesse ser superado e todos os esforços e empenho eram ainda insuficientes, tamanha a honraria que representava a convocação para a seleção. Recusar uma convocação era simplesmente inimaginável.
Com tudo isso, a seleção era um dos orgulhos do meu país. Seleção em campo, o país já se punha em estado de atenção. E euforia, é claro. Afinal, era sempre a perspectiva da explosão de alegria, de júbilo, de orgulho, aquela sensação de se sentir vencedor. No dias de grandes e significativas vitórias da seleção de futebol era de se ver o povo na rua festejando com bandeiras, camisas dos clubes, cerveja gelada e toda aquela petiscaria que invadia os ambientes esportivos em dias de festa. Alguns chegavam a afirmar que se tratava de churrasco de gato. Tudo isso eu sonhei, dia desses.
Bem, já se pode notar que o meu sonho pertence à categoria dos sonhos ficcionais, aqueles cujo enredo não apresenta pontos em comum com a realidade. Acordei até meio triste. Que pena que era sonho. E tem uns sonhos que são até um pouco intrigantes. Esse, por exemplo, me pareceu tão real que até agora eu continuo com a impressão que já vivi tudo aquilo. Ah, os sonhos...
16 de junho de 2008

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