domingo, 3 de maio de 2009

Bebida: Hábito histórico

Há cerca de 12 mil anos, o ser humano desenvolveu a agricultura como solução para o fim da vida nômade e a escassez de alimentos, dando início ao conceito da vida prática e sedentária. Para isso, armazenavam frutas e grãos que, supostamente, seriam consumidos quando lhes fosse conveniente. Mas a falta de técnicas apropriadas de armazenamento resultaram em uma surpresa: frutas e grãos fermentavam naturalmente, transformando açúcar em álcool. Daí em diante a civilização estava irremediavelmente envolvida com os prazeres (e desprazeres) das bebidas alcoólicas e sua capacidade de agregar as pessoas.

De acordo com o escritor Tom Standage, autor do livro A História do mundo em seis copos, a explicação mais provável para que as bebidas etílicas tenham essa conotação social é de que elas podem ser partilhadas. Seja há milhares de anos, quando os sumérios dividiam um grande jarro de cerveja e a bebiam com a ajuda de canudos ou ao se abrir uma garrafa de vinho e compartilhá-la. Nas Astúrias, Espanha, ainda existe uma festa em que as pessoas bebem cidra (bebida fermentada de maçã) na mesma taça.

Até hoje, as motivações para se abrir uma garrafa de vinho, uísque, cerveja ou vodca, por exemplo, ainda estão profundamente ligadas a momentos especiais e sociais: comemorar o nascimento de um filho, uma promoção no emprego, entrelaçar os braços para beber juntos no ritual do casamento. “O uso do álcool em festas acontece há muitos séculos. Isso é cultural. As pessoas bebem pelo social, pelo paladar e para alcançar um grau de euforia”, define o pesquisador espanhol Luis Benito Garcia, autor do livro Beber e saber: uma historia cultural das bebidas. Mesmo em tempos de degustação e bebidas gourmet, a ideia central é a mesma de séculos atrás: relaxar, confraternizar, entorpecer e inspirar a mente, desde que o consumo seja moderado.


NA INTERNET
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  • www.mestre-cervejeiro.com.br
  • www.cladowhisky.com.br

  • Aprecie com sofisticação

  • Para degustar uma bebida, sentindo gosto e aroma, não é necessário exagerar na dose. Escolha uma só, nunca misture. São suficientes duas taças de vinho ou espumante; uma dose de uísque; de dois a três copos de cerveja ou uma dose de algum destilado.

  • A partir dos R$ 100, as bebidas têm diferenças cada vez mais sutis. Por isso, se você não é um expert, não se arrisque pagando caro. Vá se familiarizando com a prática, os aromas e sabores aos poucos. Uma garrafa muito valiosa pode decepcionar em vez de impressionar. Mas, caso tenha informação de sobra e tope pagar caro por uma bebida, usufrua de seu sabor e aroma plenamente, não misturando-a a outros ingredientes.

  • Quando for comprar uísques, informe-se sobre o revendedor da bebida. Uísques falsificados são encontrados com frequência em Brasília. Lojas especializadas vendem bons exemplares pelo mesmo preço que muitos supermercados, e contam com vendedores experientes que podem ajudar na escolha.

  • Evite encarnar o bebedor de rótulos. Às vezes, um vinho caríssimo pode não ser tão agradável ao seu paladar quanto um muito mais barato. Prova disso são as diversas degustações às cegas, nas quais muitas vezes o vinho mais apreciado é justamente um de preço mediano. Permita-se experimentar.

  • Você pode adorar um bom vinho e entender muito do assunto, mas num encontro informal cujo objetivo não é a degustação, evite bancar o expert e impor um ritual. Seja discreto e reserve seus conhecimentos para compartilhar com conhecedores do assunto.

  • Se você está na condição de aprendiz e quer saber sobre o ritual de provar o vinho, a explicação é simples: ao observar a rolha verifica-se se ela está molhada apenas na extremidade final, o que garante que não houve entrada de ar ou vazamentos que possam estragar o vinho. Ao abrir a garrafa, esperam-se alguns minutos antes de degustar, para amenizar o aroma forte do álcool e permitir que ele amadureça no contato com o ar. Depois, ao servi-lo na taça (quanto melhor o vinho, maior deve ser a taça) costuma-se girá-lo, para acelerar a oxidação e desprender alguns aromas. Observa-se a cor e a forma como o vinho escorre pela parede da taça. Daí se cheira o líquido, para perceber os diversos aromas presentes. Finalmente se experimenta. Muitos bochecham o vinho, para perceber melhor as sutilezas de seu sabor.

  • É possível encontrar os mesmos vinhos oferecidos em restaurantes por preços até 50% menores em lojas especializadas. Alguns restaurantes também permitem que o cliente leve sua própria bebida para o jantar ou o almoço, mas é de bom tom evitar levar bebidas oferecidas na carta. Alguns estabelecimentos não cobram nada pela gentileza, e outros cobram a chamada rolha: um preço simbólico para servir o vinho trazido pelo cliente. Membros da Associação Brasileira de Sommeliers também têm descontos de até 15% na compra da bebida em certos estabelecimentos. No site da ABS você pode acessar uma lista dos restaurantes que permitem tal prática.

  • Diferentemente do vinho e do uísque, a cerveja deve ser tomada fresca. Ou seja, quanto menor for seu tempo de vida, mais “viva” ela estará. Na hora de servir: derrama-se um pouco de cerveja no copo, para temperá-lo e formar a espuma. Depois despeja-se o líquido sobre a espuma, para quebrar as grandes bolhas de ar.

    Aí sim, você pode controlar a espuma entornando o líquido na parede do copo.

  • Tomar bebidas alcoólicas estupidamente geladas também é um erro. Para o vinho e o champanhe, a temperatura ideal de 17ºC. Já a cerveja pode ser servida em 5ºC em média.

  • O uísque pode ser bebido na temperatura ambiente. Quem prefere resfriá-lo com cubos de gelo, deve tentar usar a menor quantidade de cubos possível, para que a bebida não fique aguada.

  • No glossário: enólogo é a denominação para uma pessoa com curso superior em enologia, capacitada a criar e produzir vinhos. O sommelier é quem trabalha com a escolha das bebidas que serão comercializadas e oferecidas na carta de vinhos dos restaurantes. Por fim, o enófilo é aquele que é apaixonado pela bebida e procura experimentar e estudar os vinhos.


  • Lado a lado com a política


  • O poeta americano John Ciardi afirmava que a fermentação e a civilização eram inseparáveis. Nesse contexto, a influência das bebidas na história política é inegável. O rum por exemplo, tem total ligação com a independência dos Estados Unidos. Quando as primeiras colônias britânicas chegaram a América do Norte, o rum tornou-se a bebida favorita dos colonos. Passaram a importar o melaço residual bruto do açúcar para destilarem a bebida. Com o tempo, trocaram as exportações das ilhas britânicas pelo melaço das ilhas francesas, causando um mal-estar com a Inglaterra. A resposta foi a Lei do Melaço, que estabelecia um imposto proibitivo sobre o produto francês. Os norte-americanos ficaram revoltados e passaram a contrabandear a matéria prima do rum. Os colonos sentiram-se autorizados a desafiar outras leis e as ideias de independência começaram a surgir. Anos depois da rendição britânica, John Adams, um dos fundadores do país, escreveu: “Não sei por que deveríamos ter vergonha de confessar que o melaço foi um ingrediente essencial na independência norte-americana”.

  • Na mesma medida que rumos políticos foram influenciados pela bebida, muitas bebidas influenciaram políticos famosos ao redor do mundo. O primeiro-ministro inglês Winston Churchill não disfarçava o gosto pelo uísque e um bom charuto, que degustava logo no café da manhã. Longe de ser um gourmet, ele exagerava. Depois do fim de seu mandato, diziam que ele circulava bêbado, molhado e seminu pelo prédio em que morava.

  • Outro que também se consagrou pelos porres memoráveis de vodca foi o primeiro presidente da Rússia, Boris Yeltsin. No Brasil, Tancredo Neves ganhou fama com o apreço pela cachaça. Sua família era produtora da bebida em Minas Gerais. Recentemente, o ex-presidente dos EUA, George W. Bush, confessou ser um ex-alcoólatra e o presidente brasileiro Lula também não nega seus laços afetivos com um bom aperitivo. Antes mesmo da posse no primeiro mandato, foi agraciado com um Romanée-conti, safra 1997, de R$ 6 mil, oferecido pelo marqueteiro Duda Mendonça após um debate vitorioso.


  • As preferidas do cinema


  • Carrie Bradshaw, de Sex and the city (Classificação indicativa: 16 anos): a bebida preferida da personagem Carrie, interpretada pela atriz Sarah Jessica Parker, era o cosmopolitan. Muito popular entre as novaiorquinas, o coquetel é uma mistura de suco de cranberry, vodca, licor de laranja e suco de limão.

  • Charles Foster Kane, de Cidadão Kane (Classificação indicativa:14 anos): o magnata da imprensa americana, interpretado pelo diretor Orson Welles, não só tomava uísques caríssimos, como os bancava para os amigos.

  • James Bond, de 007 (Classificação indicativa:14 anos): o coquetel dry martini, feito com gim e vermute seco, virou um item básico de todos os filmes do agente bonitão James Bond.

  • Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes (Classificação indicativa: 16 anos): o sinistro doutor e serial killer harmonizava suas refeições de carne humana com chianti, um vinho tinto seco italiano produzido com a uva Sangiovese.

  • Don Corleone, de O poderoso chefão (Classificação indicativa: 14 anos): como bons italianos mafiosos, todos os membros da família Corleone, em especial o patriarca Don Corleone, interpretado por Marlon Brando, bebiam vinho tinto durante reuniões de negócios.


  • Na religião


    É antiga a noção dos poderes inebriantes das bebidas alcoólicas. Consideradas mágicas ou mesmo sobrenaturais, diversas sociedades elaboravam suas próprias lendas sobre o então misterioso processo de fermentação e sua capacidade de alterar o estado de consciência.

    O resultado foi uma constante conotação das bebidas alcoólicas na vida religiosa. Para os egípcios a cerveja foi acidentalmente descoberta pelo Deus da agricultura, Osíris. Os incas ofereciam a chincha (um tipo de cerveja feita de milho) ao sol nascente, e o primeiro gole era sempre cuspido como uma oferenda aos deuses. Os astecas ofereciam sua pulque (bebida fermentada produzida à base do maguey, um tipo de cacto) à deusa da fertilidade. Na China, a cerveja era obrigatória em funerais e em outras cerimônias de passagem. Milhares de anos se passaram e a ligação permanece, vide os católicos que tomam o vinho como a representação do sangue de Jesus Cristo durante a comunhão da história consagrada.

    (Fontes: O enófilo Fernando Rodrigues, o enólogo e presidente da Associação Brasileira de Enologia Christian Bernardi , e o livro História do Mundo em 6 copos, de Tom Standage)

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