terça-feira, 8 de setembro de 2009

As nossas minas, desde os tempos do padre Antônio Vieira

Na semana que antecede ao primeiro embarque de bauxita extraída pela Alcoa, em Juruti, oeste do Pará, Fernando Jares Martins, com quem tive o prazer de trabalhar em A Província do Pará, nos brinda com um texto do sermao do padre Antônio Vieira, escrito há 353 anos, mas atual como ele só.
O sermão serve como uma reflexão para nós todos caboclos amazônidas.

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No Sermão da Primeira Oitava da Páscoa, pregado pelo padre Antonio Vieira, na “Matriz da Cidade de Belem no Gram Pará: ano de 1656”. Faz tempo. Mas continua atual e cabe, nestes dias de festejos pela reabertura da Igreja da Sé – essa “Matriz da Cidade” é o que era naquele tempo a atual catedral da cidade. Aliás, bem mais atualidades...

“O Imperador da Língua Portuguesa”, como o denominou quem o poderia coroar, o outro grande das letras portuguesas, Fernando Pessoa, falou naquele dia para uma cidade chocada, triste, que se achava sem esperança pelas ruas de Belém (já?!). Chegara a notícia “de se ter desvanecido a esperança das minas, que com grande empenho se tinham ido descobrir”.

Vale ler o relato do argumento principal deste sermão, escrito por um dos maiores especialistas em Vieira no Brasil, Alcir Pécora:

Em vista da tristeza dos habitantes do Pará pelos rumores do fracasso da expedição que havia sido enviada ao sertão em busca de minas de ouro, o sermão considera qu estão são fontes de flagelo para os indígenas e para os moradores mais pobres, que não participam da ambição de ostentação de riqueza em Lisboa e Europa. O outro tem um alto custo, que desvaloriza a agricultura e empobrece os bens úteis e essenciais. A não descoberta das minas em tempo de Páscoa, é interpretada pelo sermão como favor divino, que alerta para o cuidado com a salvação da alma, único bem real. O esforço da conversão do indígena, sob responsabilidade cristã, é parte essencial desse cuidado.

O resumo de mestre Pécora é muitíssimo bom. Vieira, ao longo do sermão, coloca para reflexão os problemas que a descoberta das minas traria para o Estado. Quase premonitório, mais de três séculos antes, diante da realidade da exploração de nossas minas, desde serra Pelada, onde tantos viveram a miséria no sonho da riqueza, onde tantos morreram, até aos minérios hoje exportados para todo o mundo.

Na segunda parte do sermão, página 567 da edição da Hedra, de 2000, Antonio Vieira coloca a questão:

Que práticas são estas que ides conferindo entre vós, e de que estais tristes? Esta foi a pergunta que fez Cristo, Redentor nosso, aos dois Discípulos que iam de Jerusalém para Emaús. E se eu fizesse a mesma no nosso Belém, e perguntasse às vossas Conversações, porque estais tristes; é certo que me havíeis de responder como eles responderam: Nos autem sperabamus: Esperávamos de ter minas, e estamos desenganados de que as não há: ou esperávamos que se descobrissem e não se descobriram. E se eu instasse mais em querer saber o discurso ou consequência com que sobre este desengano fundais a vossa Tristeza; também é certo havíeis de dizer, como eles disseram, que no sucesso que se desejava e supunha, estavam livradas as esperanças da redenção, não só desta vossa Cidade, e de todo o Estado, senão também do mesmo Reino: Nos autem sperabamus, quia ipse esset redempturus Israel. Ora ouvi-me atentamente, e (contra o que imagináveis, e porventura ainda imaginais) vereis como nesta, que vós tendes por desgraça, consistiu a vossa redenção; e de quantos trabalhos, infortúnios e cativeiros vos remiu e vos livrou Deus em não suceder o que esperáveis.

Primeiramente, havemos de supor que muitas vezes está a nossa perdição em sucederem as coisas corno esperamos, e, pelo contrário, está o nosso remédio e a nossa conservação, em não terem o sucesso que se pretendia.

Em seguida coloca o que vê como perigos, relacionando-os com figuras bíblicas de Jô e de Jacó/Esaú e explica na terceira parte, página 568 da edição citada:

“E para que comecemos pelos perigos que podem vir de fora. e de mais longe; se este Estado sem ter minas, foi já requestado e perseguido de armas e invasões estrangeiras; que seria se tivesse esses tesouros? Lá traz Cristo Senhor nosso, a comparação de um campo, que era cultivado somente na superfície da terra, fértil de flores e frutos: porém, sabendo um homem acaso, que no mesmo campo estava enterrado e escondido um tesouro: Thesauro abscondito in agro o que fez com todo o segredo e diligência, foi ir logo comprar o campo a todo o custo, e deste modo ficou Senhor, não do campo por amor do campo, senão do campo por amor do tesouro. De sorte que toda a desgraça do campo em mudar de senhorio, e passar de um dono a outro dono, esteve em ter tesouro dentro de si, e saber-se que o tinha. Contentemo-nos de que nos dêem os nossos campos pacificamente, o que a agricultura colhe da superfície da terra, e não lhes desejemos tesouros escondidos nas entranhas, que esperte a cobiça alheia: principalmente quando os mesmos campos não estão cercados de tão fortes muros que lhes possam facilmente defender entrada.”

Já na quarta parte (página 570) deste seu sermão o padre Vieira alerta para a desgraça da exploração do homem pelo homem, para as “misérias domésticas” decorrentes do achamento das minas:

Mas dado que as minas tão esperadas e apetecidas não tivessem por consequência de sua fama estes perigos de fora, bastava a corsideração dos trabalhos e misérias domésticas, que com elas se vos haviam de levantar de debaixo dos pés, para que o vosso juízo, se o tivésseis, tratasse antes de sepultar as mesmas minas depois de achadas, que procurar de as desenterrar e descobrir, ainda que foram muito certas. Um dos maiores castigos que Deus podia dar a esta Cidade a este Estado, era descobrirem-se nele minas. E não sou eu o que o digo, senão a prudência e a verdade de quem se não podia enganar”.

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