sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A vanguarda do atraso na UFOPA

Miguel Oliveira
Editor-Chefe de O Estado do Tapajós


Venho acompanhando com atenção as marchas e contramarchas da implantação da recém-criada Universidade Federal do Oeste do Pará(UFOPA) e tenho notado um maniqueísmo fomentado por pueris lideranças estudantis que visa estabelecer uma linha divisória do bem e do mal entre a proposta do Ministério da Educação(MEC) e a concepção de um pequeno grupo de entidades – algumas de cartoriais –da sociedade civil de Santarém.

Antes de ser confundido com alguém do estabilishment, quero deixar claro que minha intervenção neste debate se dá como ex-aluno da UFPA e cidadão santareno que vê, após mais de 30 anos – época em que deixei esta cidade para estudar em Belém – a chegada de
uma universidade federal pública concebida, em sua gênesis, para servir de instrumento catalisador de ensino, pesquisa e extensão na educação superior na região Amazônica.

Estudei na UFPA no período da ditadura militar. Sei o quanto foi doloroso estudar naquele período. Jamais esquecerei das dificuldades enfrentadas por alunos e professores, demissões, greves e corte de verbas. Mas vencemos e nos forjamos para devolver à sociedade um pouco
daquilo que tivemos a oportunidade de aprender às expensas do dinheiro do contribuinte. Isto mesmo. Nossos estudos foram pagos pela sociedade como um todo. Por isso, temos um compromisso com o ensino superior público, mesmo estando fora da UFPA.

Por esse prisma, chega a ser risível os argumentos daqueles que vêem a UFOPA como apenas uma imposição do governo Lula, de quem – ressalte-se a bem da verdade - sou crítico. Mas neste caso, considero a UFOPA a maior obra do governo Lula em toda a região amazônica. A história lhe fará justiça do que afirmo.

Mas onde está a minha discordância do discurso enviesado por meias verdades, falácias e maniqueísmos propalado por um grupo organizado para atirar pedras na UFOPA, sob o frágil argumento de que o processo de implantação da nova universidade é “antidemocrático’?

- Que democracia é esta em que apenas um lado da divergência está com a razão? Como pode haver democracia sem discussão? Sei que alguns eventos preparatórios à implantação da UFOPA foram boicotados dentro do campus da UFPA em Santarém. Se o processo de implantação não foi
socializado como deveria ter sido, isso não o torna antidemocrático a priori. Poderíamos considera-lo imperfeito, sujeito a aperfeiçoamento.

Quem realmente está interessado em fortalecer a educação superior pública na Amazônia tem mais do que o dever de criticar, sugerir, contribuir com novas propostas, sem perder de vista que já há um cabedal de experiências acumuladas por profissionais com largo trato em questões educacionais.

Tenho ouvido insistentemente que o projeto da UFOPA não considerou a área física dos quatro campis como suficientes para sua instalação. Acho isso um detalhe irrelevante do ponto de vista pedagógico e estrutural, mas me chama a atenção a estultícia de certas lideranças que se dizem de vanguarda em defender o mesmo ponto de vista que o dos dirigentes do MEC durante a ditadura militar. Estes conceberam os campis das universidades federais para ocuparem extensas áreas de terra de modo a dispersar a comunidade acadêmica, impedindo concentração de estudantes e professores em um espaço contínuo.

Lembro que só vim conhecer alguns colegas de meu curso quando já estava no quarto semestre, pois o sistema de crédito e as aulas espalhadas por prédios distante uns dos outros nos impediam um contato mais amiúde. Será que essa visão tacanha e militarista ainda empolga essa dita vanguarda do atraso? Creio que não deveria, mas sou forçado a admitir que muitos desses líderes estão a repetir, inconscientemente,o discurso antiquado da ex-ministra Ester de Figueiredo Ferraz que dizia: aluno bom, é aluno comportado e disperso.

Com freqüência, vejo que o projeto de uma universidade amazônica está sendo incompreendido. Não posso afirmar que as meias verdades ditas sobre o ensino básico do projeto da UFOPA são propositais ou conseqüência de desinformação. Mas me causa surpresa que a obrigatoriedade já no primeiro ano do estudo de disciplinas sobre a realidade amazônica esteja sendo considerada um atraso e não um avanço como entende a comissão de implantação da nova universidade. Não se forma um profissional amazônico sem o estudo de questões que vão afetar diretamente ou indiretamente a vida profissional daqueles que, não apenas no discurso, defendem a região e o homem amazônico.

Por último, causa-me um profundo desconforto a tentativa de descontinuar um projeto ousado na educação superior pública no interior da Amazônia. O fomento à baixa estima dos alunos e ao
menosprezo à qualidade da educação que pretende oferecer a futura universidade não é nada mais do que uma característica derrotista daqueles que não acreditam no potencial dos nossos estudantes e professores. Fica claro que esse discurso contrário à implantação da UFOPA é de quem perdeu o bonde da história e, como na fábula de La Fontaine, vira uma raposa a desdenhar dos apetitosos cachos de uvas que não estão mais ao seu alcance.

Ainda bem que temos - há tempo de se corrigir isso – um grupo de raposas desvairadas e não uma alcatéia de lobos sedentos por destruir a concretização de uma aspiração de toda uma geração que precedeu esta que está tendo a oportunidade de cursar uma universidade federal em sua própria região e não se deu conta que está sendo manobrada por uma vanguarda do atraso.

Um comentário:

Paulo Cidmil disse...

Miguel tenho observado colocações e protestos sobre a implantação da nova Universidade Federal que considero bastante equivocadas. São muito boas algumas de suas observações e melhor ainda é o proposito de colocar o assunto em discussão.
Aproveito para colocar uma questão que parece detalhe mas que penso ser relevante. Acho que UFAM é um nome mais adequado para uma Universidade que nasce com o objetivo de ser um grande centro de especialização e produção científica, não só de nossa região,
mas de toda a Amazônia. Ufopa a regionaliza por demais. UFAM aponta para o futuro, inclusive podendo vir a ser um espaço fundamental para a integração com outros países que fazem parte desse território continental chamado Amazônia.