segunda-feira, 15 de março de 2010

Errado é jornalista torcer e distorcer

Demóstenes Torres*

Marcelo Carneiro da Cunha aproveitou seu espaço no portal Terra para reabilitar um Demóstenes, que chamou de "o Certo", e desacreditar outro, que batizou de "o Errado". Não discuto sua admiração ao personagem histórico de quem herdei o nome, mas é necessário esclarecer aos que chama de "estimados leitores".

Cunha me arroga uma peróla: "A escravidão não foi culpa nossa, que importamos milhões de escravos, mas, sim, da África, que os exportou". Não sei se a encontrou em ostra, mas ela é falsa. Não culpei o continente nem tirei erro de país comprador. Apenas informei o que não é novidade no bê-á-bá de História. A África exportou escravos, sim.

O horror se estabelece quando um profissional de imprensa inventa declaração tão sórdida: "Culpar a África por ter sido explorada está em perfeito alinhamento com o restante do, digamos, pensamento do nosso Demóstenes, o Errado - o de culpar as negras por participarem do estupro de maneira mais animada do que seria digno".

Opinar sobre algo é democrático, publicar análises é do ofício de jornalista, mas atribuir a alguém frases inventadas fere a democracia e o jornalismo. Não culpei "as negras por participarem do estupro". Uma monstruosidade dessas só poderia sair da mente doentia de alguém que deseja vencer o debate sem pesar a mácula de seu estelionato intelectual sobre o currículo do fraudado. Não falei em "maneira mais animada" de encarar estupro. Eis outra ficção da lavra de Cunha, com nível de baixaria que desmerece um escritor bem-sucedido. Imputar a alguém a autoria de "maneira mais animada" de suportar violência sexual é tão grave que só o ofendido em sua honra pode mensurar. Não disse "que seria digno" ter essa ou aquela atitude diante das barbáries sofridas sob jugo. Se Cunha quis ferir-me a reputação ao criar para mim sentenças tão abjetas, acertou a própria testa. Doravante, só se pode ler sua obra pensando que foi capaz de imaginar vítima participando de estupro de forma animada. É o que se extrai de seu conceito de dignidade.

Escreve Cunha que avancei "na oratória sem noção e disse que a miscigenação no Brasil escravagista aconteceu assim, numa boa". Eu não disse isso. Infelizmente, ele não é o primeiro a, "assim, numa boa" me acusar sem ter noção do alcance do veículo em que publica. A "miscigenação no Brasil escravagista" ocorreu com violência sexual, mas também com relacionamento consentido entre africanos, europeus e ameríndios. Combato a tese do "estupro original". Quem a defende acha que oito em cada dez brasileiros têm no topo da árvore genealógica o mais repugnante ato de violência sexual. Cada ramo, cegamente apaixonado pela ideologia que advoga, deleta pesquisas que o desmontam: essa tese dos racialistas, abarcada pelo Movimento Negro, é a mesma dos salazaristas.

Na tentativa de lustrar o texto opaco, Cunha serve-se de Machado de Assis, mas nem o magistral "Pai contra mãe" trouxe brilho aos argumentos. No conto, um branco miserável passa fome, mora de favor terceirizado e adere ao "ofício de pegar escravos fugidos". O desfecho é um dos mais pungentes da literatura. Se respondesse ao IBGE, Machado se diria branco. Pela herança, era mulato. No entanto, não foi pela cor, a real ou a autodeclarada, que se tornou o maior escritor brasileiro, mas pelo mérito.

Não vou retribuir sua deselegância de me chamar de cavalo, mas tão certo quanto a escravidão ser "a maior tragédia desse país" é a fraude na apuração ser a grande tragédia de um jornalista. Gostaria de rebater cada período do artigo caluniador, injuriador e difamador. Mas acaba o surto, volta a manifestar-se o premiado autor e combate "as cotas raciais nas universidades": "Oficializar diferenças de tratamento com base na raça é racismo". Concordo e quero crer que Cunha não tenha chegado a essa conclusão sem pesquisa, como fez ao me atacar.

*Demóstenes Torres é senador (DEM/GO

Nenhum comentário: