quinta-feira, 24 de março de 2011

China: espelho partido


Lúcio Flávio Pinto

A China cresceu a uma taxa média anual de 10% entre 2006 e 2010. A previsão é de que cresça menos no qüinqüênio de 2011/2015: 7%. No ano passado o salário mínimo no país subiu 20%. Crescerá mais 19% a partir de abril. Mas ao anunciar o novo plano qüinqüenal, no início do mês, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao, não usou nenhuma expressão superlativa. Admitiu, pelo contrário, que o desenvolvimento da segunda nação mais rica do mundo “não é bem balanceado, coordenado nem sustentável”.
Prometeu enfrentar as três distorções combatendo a inflação, aumentando o consumo doméstico (com a introdução de um índice de “felicidade” no planejamento), incentivando a agregação de valor à produção interna, reduzindo a dependência das exportações e o peso dos investimentos, que leva o governo a se endividar cada vez mais – e o que também influi sobre a corrupção “desmedida” nos órgãos públicos, outro alvo prioritário.

Os chineses terão menos energia de fontes fósseis (a participação de energia limpa na matriz deverá passar de 8,3% para 11,4%), enquanto a participação do investimento em pesquisa e desenvolvimento subirá de 1,8% para 2,2% do PIB. Dentre seus projetos estão a conservação e pesquisa de novas fontes de energia, proteção ambiental, biotecnologia e veículos movidos a energia alternativa. O objetivo dessa nova linha de ação será para garantir que as pessoas “estejam contentes com suas vidas e empregos, a sociedade esteja tranqüila e ordeira e o país desfrute de paz e estabilidade de longo prazo”.

Pode ser que boa parte dos compromissos e metas anunciados pelo primeiro-ministro chinês no seu discurso de três horas perante o Congresso Nacional do Povo, em Pequim, seja pura retórica. Mas mesmo que tudo seja levado a sério, o desafio é tão vasto quanto a própria China. O “milagre chinês” se sustenta em suas reservas internacionais, de três trilhões de dólares, 10 vezes maiores do que as do Brasil e do tamanho de todo o nosso PIB nacional.

A reserva é a base desse crescimento estupendo, mas é uma base frágil porque se mantém pela troca permanente de dólares obtidos através da exportação em yuans que são retidos pelo governo, graças ao seu poder político. Mecanismos de mercado são combinados com instrumentos de coerção próprios de uma ditadura. Até quando esses termos antitéticos poderão ser mantidos? Eles produzirão uma síntese ou uma crise, cujo abalo não guardará a menor relação com o que o mundo já viu nos últimos tempos.

Lula garantiu aos líderes chineses que reconheceria a China como uma economia de mercado. Sua sucessora já viu que a declaração é apenas mais um exemplo grave do tamanho da garganta do seu antecessor, cuja retórica se inspira nas circunstâncias do seu uso e não na sua procedência e fundamentação. A China é um grande referencial que cumpre ao Brasil observar e levar na devida consideração. Tanto porque comete alguns erros semelhantes como porque a China já é o seu maior parceiro comercial, uma das fontes da afluência nacional de hoje e do efeito Orloff de amanhã.

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