sábado, 26 de março de 2011

Onde os rios levam vidas em percurso – Parte 2


Redes atadas no convés

Guilherme Guerreiro Neto

O Nélio Corrêa tem capacidade para 246 passageiros. São 11 camarotes para duas pessoas, com ar condicionado e banheiro. E vagas para redes nos convés principal e superior e no passadiço, que equivalem a primeiro, segundo e terceiro pisos, respectivamente. Na saída de Santarém, o barco estava superlotado. A contagem da tripulação identificou cerca de 310 passageiros.

Quando o sol dá as caras, os banheiros ficam concorridos. Atrás de cada porta de alumínio há um cubículo azulejado com o chuveiro posicionado praticamente na direção do sanitário. Ao lado dos banheiros, espera por vaga nas pias.

Às 7h45 de sábado, a embarcação aporta no município de Almeirim. Vendedores aproveitam a freguesia de ocasião para oferecer queijo. Dez reais o quilo. Entre os que desembarcam no trapiche semidestruído pela última enchente estão Maria da Cruz Sousa, Maria Ivone Barbosa, Nilda Gomes, Maria Euciclei de Sousa e Franceli Reis. Elas ficam para prestar concurso público municipal no dia seguinte.

As cinco são freiras da Congregação das Irmãs Franciscanas Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria. Mantêm os votos de pobreza, obediência e castidade. O que ganham como professora, enfermeira ou auxiliar administrativa, por exemplo, vai para a Congregação. Apenas Nilda e Maria da Cruz usam hábito – vestido bege e véu branco sobre os cabelos. Franceli, a mais encabulada, foge enquanto converso com as outras.

Irmãs franciscanas

Quatro irmãs vindas dos Estados Unidos na década de 1960 fundaram a Congregação em Santarém. Primeiro abriram a Maternidade Sagrada Família. Só em 1988 receberam permissão para formar noviças e freiras.

Lá se vão 20 anos desde que Maria da Cruz, com 55, fez voto perpétuo. Ter ensino médio completo é requisito para iniciar os estudos como postulante a freira. Conseguir, para ela, não foi pouco. “Minha mãe era analfabeta, meu pai era analfabeto. Não tenho vergonha de dizer isso. E meus irmãos mais velhos foram trabalhar pra gente estudar.”

As mais novas vivem os dilemas da juventude. Maria Euciclei tem 21 anos, está no noviciado. Ainda é menina de voz doce e cabelos ondulados. Enfrentou a desaprovação inicial do pai quando decidiu seguir carreira religiosa. Viu as colegas de escola casarem e terem filhos. Mas não se arrepende da escolha que fez.

Se tem uma coisa que Nilda, de 26 anos, sente falta é de dançar. Não, não que ela fosse festeira. “Eu dançava em casa mesmo. As minhas irmãs tão de prova”, tenta se explicar depressa, baixando a cabeça e levando a mão ao rosto para disfarçar o acanhamento. Maria Ivone, responsável pelas irmãs no Brasil, percebe que a procura de moças pelo noviciado diminuiu. “A maioria não quer ter mais esse tipo de compromisso.”

As missões religiosas contemporâneas na Amazônia também são capitaneadas por Igrejas Evangélicas. O município de Porto de Moz, no Pará, é a casa de Timóteo Kubacki, missionário da Igreja da Vinha – Vineyard, em inglês. Há quatro anos, ele e a família deixaram a vida de Ohio, nos Estados Unidos, para fincar raízes na floresta tropical brasileira.

Benjamin e Timóteo Kubacki

Médico, Timóteo trabalhava como diretor de emergência em um hospital. Largou tudo para, como diz, “ajudar pessoas com vida mais difícil”. Não pode exercer a medicina no Brasil. Nas comunidades onde trabalha, ensina inglês, entrega filtros d’água e encoraja o relacionamento das pessoas com Deus.

Aos 49 anos, exibe pele branca avermelhada pelo sol, sandália alpercata nos pés e um português falado com esforço e algum sotaque. Às vezes, ser visto como estrangeiro o deixa pouco à vontade. “Quando nós viajamos, com certeza. Porque somos claramente gringos, um pouco diferentes. Mas onde nós moramos, não. Eles nos aceitam muito, entende?”

Timóteo tem quatro filhos: duas moças, dois rapazes, todos adolescentes. Estão muito bem ambientados na região. Os meninos vão com ele no barco. Benjamin passa o tempo sossegado na rede enquanto o irmão mais velho, Luke, faz investidas para cima de moçoilas acobreadas que saracoteiam pelo convés. Os três, pai e filhos, descem em Almeirim, de onde seguem para Porto de Moz ao encontro das mulheres da família.

Permanecem no navio outros estrangeiros. O holandês Vincent Bronkhorst, engenheiro de tráfego, aproveita as férias na América do Sul com a família. Esteve entre 2002 e 2003 no continente, mas esta é a primeira vez no Brasil. Um grupo de universitários de Tóquio, no Japão, está em meio a uma volta ao mundo. A aventura começou em setembro e vai até março de 2010. Antes do Brasil, passaram por países como Índia, África do Sul, Quênia, Dinamarca, Egito e Venezuela.

 
Universitários japoneses

Nenhum comentário: