terça-feira, 15 de novembro de 2011

Valtinho pede dispensa do Castanhal

O Castanhal recebeu ontem o pedido de dispensa do técnico Valter Lima do cargo. O treinador, que comandou a equipe no empate contra o Abaeté no último sábado, alegou que não vinha conseguindo desenvolver o melhor do seu trabalho por motivos pessoais.

O Japiim deve divulgar até amanhã o nome do novo treinador, mas o auxiliar e ex-jogador aurinegro Luís Carlos Apeú é o mais provável. Ontem, a atividade foi comandada pelo preparador físico Fernando Silva.(Do Amazônia)

Lula, o desafio



A bendita estrela de Lula eclipsou no momento em que o câncer se instalou no seu corpo? Ou será mais uma barreira que o ex-presidente irá superar para se recolocar na linha de frente da nova corrida ao poder?


Por Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós

Morre-se cada vez mais de câncer no mundo todo. Ainda assim, o câncer não se tornou uma doença comum. Ela chega com uma carga emocional muito forte, como um estigma. O doente reage com uma dor moral. Parece que o câncer é uma punição, um castigo merecido.

“Por que eu?”, pergunta-se quase todo paciente. Sente-se como um pecador diante das pessoas sadias, ou daquelas nas quais a terrível doença ainda não se manifestou. Poucos se comportam como se tivessem um tipo comum de moléstia.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a passar por essa via crucis. Seus próximos três meses, pelo menos, serão dedicados a combater o tumor maligno que se instalou na sua laringe, impedir que ele se propague e recuperar sua vitalidade.
Alguns dos seus hábitos o expunham ao mal: fumava cigarrilhas tanto quanto tomava álcool – e abusava das comidas gordurosas. O futebol de fim-de-semana não era antídoto para o sedentarismo de suas atividades, parte delas o obrigando a permanecer longos períodos sentado e outra parcela lhe impondo movimentação frenética.

Apesar dos avisos que o corpo passou a lhe dar em tempos mais recentes, nem Lula nem a opinião pública cogitavam de vê-lo atacado pelo câncer. Sua vitalidade e sua invejável vontade de vencer, além de uma sorte excepcional, pareciam capazes de anular os fatores adversos da sua constituição física e da sua rotina estressante.

A doença, agora, não é só um drama pessoal do ex-presidente, da sua família e do círculo mais íntimo de pessoas em torno dele: é um fato político. Por incrível que possa parecer, mais importante do que os escândalos, seguidos de demissões, que demarcaram cada mês do governo da presidente Dilma Roussef, ou qualquer outra movimentação já feita no tabuleiro do poder.

Não é preciso recorrer a profundas análises da situação para chegar a essa conclusão. Posso dar o meu testemunho a respeito. Estava finalizando o livro do jornalista José Nêumanne Pinto (O que sei de Lula, Topbooks, 522 páginas) quando saiu a notícia da doença do presidente, dada quando ele deixou o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, na manhã do dia 29.

Minha atitude e minha expectativa em relação ao livro mudaram imediatamente – e de forma bem espontânea, sem nenhuma iniciativa consciente da minha parte. Aquele conjunto de fatos espantosos, formando o “outro lado” da personalidade e do significado de Lula, perderam sua força. Não por seu significado em si, mas pela conjuntura na qual eles se inseriram.

A dor moral que passa a atormentava o canceroso (na rude expressão, descartada pela sintaxe politicamente correta, que segue a linhagem já expurgada da linguagem em torno do leproso de outros tempos) tem, como compensação, a misericórdia, a simpatia e a solidariedade da esmagadora maioria da sociedade (exceto os selvagens acobertados pelo anonimato na rede mundial de computadores).

O duro e sofrido preço que o ex-presidente pagará no combate ao mal lhe concede, desde já, um habeas corpus preventivo às críticas, às revelações negativas e mesmo ao exame isento da sua presença na vida pública brasileira. Todas as especulações sobre a sucessão do presidente da república no exercício do cargo, que começaram mal ele tomou posse, estarão condicionadas, a partir de agora, ao desfecho do drama de Lula. Ele é um predestinado até nessa circunstância. Imobilizado, decide tanto quanto em plena articulação política.

Neste momento, o mais provável sucessor de Dilma em 2014 é, não ela, com o direito consuetudinário à reeleição e projetada por índices de popularidade recordes, superiores, no mesmo período, ao do próprio antecessor, mas Lula. A seu favor conspirava o tempo que sua criatura ainda terá pela frente, com o acúmulo de dificuldades, em função dos aspectos malditos (conforme o jargão sucessório) da herança que o padrinho lhe legou. O maior deles, o excesso de gastos públicos (sem os quais, porém, a eleição de Dilma teria sido mais difícil), o comprometimento de recursos futuros (sobretudo, através do BNDES, a aliados, selecionados e afinados), a extrema dependência da exportação de commodities (incluindo recursos naturais não renováveis), a expansão descontrolada do crédito (como “nunca antes na história do Brasil”), o incremento das importações como resultante do comércio internacional e o custo das compensações pelas desigualdades sociais e espaciais engendradas.

Por enquanto, o governo tem conseguido harmonizar essas várias frentes adversas e se mantido em equilíbrio político, mas com precariedade. O trato publicitário e emocional com as expectativas da população atenua ou camufla os problemas mais graves. O quadro do futuro, porém, dependerá da evolução do tratamento médico de Lula e da sua reação à doença. Ele poderá reaparecer como o candidato imbatível à nova eleição ou como uma bandeira emotiva para o PT, se ele tiver que se afastar da vida pública ou sucumbir ao mal.

De qualquer maneira, desconsiderando seu pungente drama pessoal, o que ninguém saudável (ou são) pretende para si nem para os outros, a trilha que ele seguirá nestes próximos meses o levará a patamares ainda mais altos, se não se defrontar com novas surpresas desagradáveis. A tendência nacional de ficar ao lado da vítima poderia colocá-lo nas alturas de Getúlio Vargas, embora toda a carreira sindicalista e política de Lula tenha tido, como um dos seus objetivos laterais, apagar do inconsciente coletivo a imagem do pai dos pobres anterior a ele.

O estudo do carisma e de outros componentes subjetivos da personalidade de grandes líderes políticos ainda é deficiente e insuficiente. A reação que a análise marxista estimulou contra a glorificação de heróis levou a males equivalentes no outro extremo. A história se transformou em produto de grandes estruturas, com ênfase nas econômicas. Deixou de ser o resultado vivo da ação humana, com suas condicionantes externas, é verdade, muitas vezes determinantes, mas também com suas aberturas ao imprevisível, paradoxal ou, mesmo, absurdo.

O reducionismo marxista, explícito desde os manuais escolares de história e geografia, chegando até aos livros de literatura, desfavorece a percepção do sentido histórico contido nos atos dos seres vivos, no momento mesmo em que eles atuam. Conceitos refratários à demonstração, como imperialismo, burguesia, reacionarismo et caterva esmagam as individualidades e tiram da história o que a define: seu conteúdo humano. Tudo passa a ser efeito de maquinações, de determinações pré-existentes. Jogo de marionetes.

A saturação desses esquemas explicativos talvez ajude a entender o sucesso de livros sobre história e política escritos por bons jornalistas, atentos aos fatos, sem se deixarem aprisionar pelo minimalismo da crônica impressionista. José Nêumanne Pinto enveredou por esse caminho. Desde o título do livro (O que sei de Lula), passando pela foto da capa (o ex-presidente, que teve uma infância dura, sem fantasias, se agachando para pegar um carro de brinquedo), e chegando com um estilo literário como forma de abordagem (o jornalista é também ficcionista).

O livro é mais do que uma grande reportagem: é um ensaio de interpretação. Com abundância de referências a fatos e a outras interpretações, ele mostra que Lula, ao escapar à miséria, ao anonimato e ao esmagamento a que está sujeita a grande maioria dos brasileiros, saiu fortalecido, como nenhum outro líder do seu tempo (e raros em toda história do Brasil), para empalmar o poder, como gostam de dizer os políticos profissionais.

De todos eles Lula se distinguiu por sua origem de retirante nordestino que consegue chegar à maior cidade do continente (e das maiores do mundo) e galga seus patamares desde a base mais rés-do-chão, tomando-a como impulso para uma carreira com poucos similares na história universal. Nenhum outro rival podia competir com ele nesse fundamento, como se diz agora nos esportes.

O problema deu-se a partir daí. Lula foi se amoldando ao padrão do passado à medida que chegava próximo do topo. As tropelias, malfeitos, traições, fraudes e crimes que foram se acumulando em torno dele, sempre o beneficiando, não o impediram de continuar a perseguir o máximo, passando por cima das barreiras que fossem surgindo. A “metamorfose ambulante”, termo que usou na autodefinição, tornou-se imprescindível para que ele não ficasse pelo caminho. Ao final da corrida, o que restou?

Um líder nato, um homem dotado de instintos e inteligência excepcionais, guiado pelo seu conhecimento empírico, incrível aproveitador do melhor que a experiência lhe proporcionou para se tornar num grande comandante de massas, mas amoral, incapaz de orientar o seu governo por princípios inovadores consistentes, que constituíam o maior compromisso do PT.

Ignorando tudo que diz respeito ao conhecimento intelectual, colocou a economia nacional no piloto automático em que o governo de Fernando Henrique a deixou. Vigiando os sinais vitais da atividade produtiva, um financista internacional, tucano de origem, o banqueiro Henrique Meirelles. Manipulando os cordéis das políticas sociais compensatórias, que os tucanos também criaram, mas, por seu vezo elitista e tom acadêmico, mantiveram como decoração e perfumaria, a “companheirada” e os súditos fieis, como o célebre Delúbio Soares, capazes de se sacrificar pelo chefão, o godfather.

O Brasil que FHC construiu ficou ainda maior e melhor depois dos oito anos de Lula, que não hesitou em gastar o necessário para manter uma proporção sem igual de brasileiros ao seu lado, para o que desse e viesse. Mas esse Brasil, que come frango e compra carro ou moto como antes se comprava pão, também se tornou ainda mais violento, desigual, sem ética, viciado em “jeitinhos”, corrupto como “nunca antes”, de alto a baixo, quase como vítima de uma ameba maligna sem limites para se expandir.

Nêumanne tentou o grande ensaio sobre Lula e o seu tempo, mas nesse aspecto não atingiu o objetivo. O livro podia perder um terço de suas páginas sem o menor prejuízo. Adotando a técnica literária de repetir para acrescentar dados a cada novo capítulo, o jornalista se excedeu. O trabalho ficou repetitivo demais, como se, afinal, ele quisesse engrossar um tomo que, por natural, seria bem mais magro. Em páginas e em conteúdo, uma ossatura pretensiosa com enchimento de menos.

O que Nêumanne tentou realizar e não conseguiu continua a ser um grande desafio para quem quiser enfrentar o enigma Lula e ajudar a nação a entendê-lo melhor. A tarefa se tornará mais árdua a partir de agora, com o componente da doença a atiçar a subjetividade do país, liberando instintos e crenças.

Quaisquer que venham a ser os desdobramentos desse novo capítulo da história dos nossos dias, pode-se perguntar sobre o destino do ex-presidente. O suicídio tirou Getúlio Vargas de uma situação crítica e o projetou na história como o presidente da república mais lembrado até hoje. A deposição e a cassação fizeram muito mal ao também fazendeiro dos pampas gaúchos João Belchior Marques Goulart, herdeiro de Getúlio. Ele morreu deprimido e melancólico do outro lado da fronteira, impedido de voltar ao seu país pelos militares vingativos que assumiram o poder. Mas está revivendo nos livros que começam a ser escritos sobre ele, com um enfoque menos cáustico do que os anteriores.

E Lula? Ao que parece, apesar de tudo, ele parece empenhado em consumar outra façanha: ser o autor de si mesmo.