quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Maria Alves Ibiapino Bastos

Por Paulo Bemerguy

Maria Alves Ibiapino Bastos.
Maria Alves.
Maria.
Dona Maria.
Esse nome não precisa - nunca precisou - de complemento.
Não precisa - nunca precisou - de um verbo para conferir-lhe ação.
Maria Alves, como a Maria da música do Milton, foi um dom.
Foi um monumento de mulher.
Foi um monumento à mulher.
Até mesmo ao fechar os olhos, por volta das 10h30 de hoje, rendida inapelavelmente por limites e contingências impostos pelo ocaso natural da vida, dona Maria protagonizou, involuntariamente, posturas e valores que permanentemente prezou.
Quando fechou os olhos para a vida - esta vida -, aos 92 anos de idade, ela estava em casa, com a família.
Uma família que representou o sentido do seu viver e à qual ela se devotou com a coragem dos fortes.
Quando começou a despedir-se da vida, não estava deitada.
Estava sentada.
Era como se estivesse em alerta, mesmo com as últimas de suas forças se esvaindo.
Era como se estivesse a um passo de levantar-se para continuar, seguir, prosseguir, avançar, muito embora, nos últimos tempos, não conseguisse mais se locomover sozinha.
Ser ajudada, amparada, protegida, sustentada, guarnecida, abrigada pelos outros talvez lhe tenha sido, quem sabe, até certo ponto desconfortável.
Mas quem sabe também não lhe foram um tributo.
Porque amparar, proteger, sustentar, guarnecer, proteger e abrigar foram, estes sim, os verbos que conferiram ação à sua vida e agora funcionam como um parâmetro mais ou menos preciso para avaliarmos a dignidade com que ela sempre se conduziu.
A vida de Maria Alves começou nas barrancas do Alto Tapajós, em local que nem ela sabia precisar.
Quando chegou a Santarém, ainda adolescente, para depois unir-se a Olímpio Ferreira Bastos, também já falecido, passou a formar uma vida frutuosa.
Teve 11 filhos, cinco homens - Maurício, José Boanerges, Antônio Jorge, José Olímpio e Francisco Acelino - e cinco mulheres, todas Marias - Maria de Jesus, Maria das Graças, Maria de Fátima, Maria do Socorro, Maria de Lourdes e Maria da Conceição.
Os filhos lhe deram 17 netos.
Os netos lhe deram 18 bisnetos.
Os filhos de Maria Alves, e vários outros jovens que ainda vinham do interior de Santarém, encontraram nela o amparo, a proteção, a sustentação.
Nela encontraram o abrigo.
Educou-os com mão forte.
Com pulso firme.
Educou-os orientada por valores que nunca se vergaram ao peso dos desafios que a vida lhe reservou.
O pulso firme e a mão forte sempre foram, ao contrário do que possam pensar os que não a conheceram, a expressão do amor indestrutível de Maria Alves.
Em vez dos abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, dona Maria configurou seu amor no apreço, no apego à responsabilidade, ao desafio, à missão de emprestar todas as suas qualidades para formar pessoas que haveriam, elas também, de enfrentar os seus próprios desafios.
Maria Alves fez do seu trabalho uma extensão do seu lar.
Que o digam dezenas, centenas, milhares de estudantes do Colégio Dom Amando - um dos mais tradicionais de Santarém - que, nas décadas de 60 e 70, iam à sua cantina para desfrutar das delícias com que ela nos brindava.
Nos brindava - isso mesmo.
Porque o repórter aqui também teve a ventura, a felicidade e o orgulho de integrar-se à família de Maria Alves.
Teve a felicidade de haurir parte de seus ensinamentos.
Teve a ventura de comprovar o seu recato, a sua discrição, a sua coragem, a sua devoção a Nossa Senhora, a sua fé inquebrantável no que é certo.
Tudo isso foi a sua riqueza.
Uma riqueza inestimável.
Maria Alves, pelo que ela foi, pela forma como viveu, deixou-nos a todos a certeza de que era, realmente, um dom.
Um dom que fica.
Um dom que haveremos de preservar como um legado.
Um dom que valeu a pena.
Um dom com o valor de Maria.
Um dom que valeu uma Maria.
Maria Alves Ibiapino Bastos está sendo velada na capela mortuária Dona Núbia, da Igreja dos Capuchinhos.
O sepultamento será amanhã, saindo o féretro, às 10h, para o cemitério Recanto da Saudade, em Belém.