sexta-feira, 1 de maio de 2015

Valor da venda da Vale (ainda) desperta pouco interesse na opinião pública do Pará

Lúcio Flávio Pinto:

A antiga Companhia Vale do Rio Doce atua em 13 Estados brasileiros, mas não no Paraná. Mesmo assim, a advogada paranaense Clair Martins foi um dos cidadãos brasileiros que reagiram à desestatização da empresa, promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1997. Ela assinou uma das dezenas de ações populares que tentaram anular na justiça o leilão através do qual o controle acionário da estatal foi vendido. Passados 18 anos da iniciativa, as ações ainda tramitam.
Parecia que elas teriam um fim inglório: seriam extintas sem julgamento de mérito. Mas uma das turmas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, decidiu que essas ações têm que voltar à justiça federal em Belém para serem apreciadas. Por causa dessa mudança, Clair – que foi a primeira mulher a se eleger deputada federal no Paraná, em 2002 – se reanimou e decidiu mobilizar a opinião pública para acompanhar o novo capítulo dessa longa e grave história.
O Instituto Reage Brasil, que ela criou e dirige no Paraná, promoveu ontem o primeiro debate depois da decisão do TRF. Infelizmente, apenas 43 pessoas compareceram a uma das salas do Hotel Regente para participar da sessão, para a qual os mais ilustres convidados foram o deputado federal Edmilson Rodrigues, do PSOL, e o advogado Celso Antonio Bandeira de Mello, de grande conceito nacional.
O fato não deixava de ser paradoxal: uma organização civil do Paraná tentando mobilizar os cidadãos do Estado no qual, finalmente, a justiça de primeiro grau decidirá sobre as ações que questionam um dos mais polêmicos e importantes capítulos do programa de privatização do Brasil, iniciado no governo Collor e mantido pelas gestões do PSDB e do PT, nesta sob o disfarce vernacular de concessões.
A motivação da ex-deputada federal é a defesa da causa pública e do interesse difuso dos brasileiros. Tanto ao tomar a iniciativa concreta da ação popular quanto ao organizar o encontro de ontem. Mesmo que a Vale não tenha presença no seu Estado, ela atuou intensamente para conseguir mudar a posição dominante na opinião pública paraense, que era favorável à privatização e depois se colocou contra a medida.
Mas ainda não conseguiu motivar os paraenses para um tema que lhes diz respeito de forma direta e intensa. A divulgação do encontro não foi boa, mas foi o suficiente pelo menos para atrair os intelectuais paraenses, com acesso à internet e circulação pelo meio no qual a notícia se difundiu. Além de algumas pessoas vindas de outros municípios e do Maranhão, a presença dominante era de militantes, menos dispostos a aprender o que não sabem sobre a questão do que fazer os discursos das suas lutas e da visão geral do país.
Depois de 18 anos, a revisão da decisão tomada pelo juiz federal de Belém, que queria simplesmente colocar um ponto final absoluto na história, acarreta grandes desafios a quem quiser dar consequência ao ato. Embora os autores populares pretendessem chegar a restabelecer a condição estatal da Vale, a maioria dos desembargadores do TRF se manifestou apenas pela apuração do valor justo para a venda. As outras – e numerosas – questões que apontavam ilegalidades e irregularidades no processo não serão consideradas, conforme o acórdão do tribunal.
Mesmo sob essa perspectiva limitada, a revisão do valor da alienação do controle acionário exigirá um sofisticado e complexo trabalho de perícia. Os autores das ações terão que designar assistentes técnicos capazes de acompanhar criticamente a perícia judicial. Como chegar a esses assistentes e poder mantê-los? Haverá a necessidade de equipes e providenciar a remuneração de pelo menos parte desses técnicos, que não trabalharão voluntariamente.
Os 42% de ações da União na Vale foram vendidos em 1997 por 3,3 bilhões de reais. Há quase unanimidade técnica de que se tratou de preço subavaliado ou mesmo de um valor vil. Publicações econômicas estrangeiras, como a Euromoney, chegaram a calcular esse lote de ações em três vezes mais do que o apurado. É muito dinheiro em causa, ainda que muitíssimo mais continue a se esvair por causa do enquadramento restrito da decisão que estabeleceu a reapreciação das ações.
Poucos temas há na agenda atual dos paraenses (se há algum) de maior expressão material e simbólica. Por que o silêncio da imprensa e a omissão dos intelectuais? Será que ambas as situações têm por origem o poder da Vale e o dinheiro que ela aplica na publicidade e no apoio a atividades de pesquisa ou culturais? O silêncio, sendo obsequioso, não é desinteressado? Nem, evidentemente, risonho e franco?
Se for assim, que sejam apontados os traidores da causa paraense, amazônica e nacional. Aqueles que podiam contribuir para esclarecer entendimentos, criar consciências e mobilizar vontades em favor do bem de todos e felicidade geral da nação. O vazio na sala de hotel onde se discutia a privatização da Vale, a maior empresa a atuar no Pará, é um libelo acusatório contra os omissos, indiferentes e omissos. Seu silêncio é a prova dos nove da sua covardia.
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Quem atirou? Como atirou? Por que atirou e matou Dayse, funcionária da Receita Federal?

Do Espaço Aberto:

Sim, meus caros.
A máxima - repetida, conhecida e batida, mas sempre máxima - de que errar é humano tem amplo significado, mas não pode servir para reducionismos cruéis, que acabam se confundindo com álibis para todos os tipos de erro.
O assassinato - cruel, bárbaro, injustificável, chocante - de Dayse do Socorro Almeida e Cunha, 51 anos, ocorrido no início da madrugada da última quinta-feira, no bairro da Terra Firme, em Belém, pode ser decorrência de um desses erros que não podem se apropriar de contingências humanas incontornáveis como justificativa para minimizar a conduta de quem errou.
Levantamentos preliminares de peritos que estiveram no local do crime indicam que os tiros que mataram Dayse, servidora da Receita Federal, irmã do titular da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (Susipe), André Cunha, e prima da mulher do governador Simão Jatene, Ana Maria Chaves da Cunha Jatene, partiram de fora para dentro do veículo em que ela foi encontrada já sem vida.
Quem estava fora? Policiais militares.
Quem estava dentro do carro? Bandidos - quatro - que tomaram Dayse como refém.
O carro apresentava cinco marcas de perfurações de bala.
Dayse apresentou sinais de que foi atingida duas vezes.
Não façamos juízos precipitados.
Não façamos.
Mas, cingidos aos fatos, e considerando que a perícia, mesmo em levantamento preliminar, encontrou indícios de que os tiros que mataram a vítima foram disparados de fora para dentro, não tenhamos quaisquer escrúpulos morais e éticos para considerar que policiais militares que trocaram tiros com os bandidos são, num primeiro momento, os únicos suspeitos do cometimento de um erro - de um enorme, colossal, fatal e irreparável erro.
Um erro que, por suas dimensões e circunstâncias, precisa ser devidamente apurado, até mesmo para que não venha a acontecer outra vez.
Nesse sentido, aplauda-se como acertada, oportuna e necessária a postura do governo do Estado, ao afastar preventivamente os policiais militares que participaram do enfrentamento com os bandidos, recolhendo suas armas e acautelando-as, para que possam servir de elementos de prova para as investigações que haverão de apontar o quanto antes quem, como e por que disparou contra a vítima.